Diante de crises globais cada vez mais complexas — como as mudanças climáticas, a rápida perda da biodiversidade e a crescente pressão sobre os ecossistemas —, as Soluções Baseadas na Natureza (SbN) surgem como uma alternativa poderosa. Inspiradas no funcionamento da natureza e nos seus serviços ecossistêmicos, as SbN podem proteger, restaurar e gerir ecossistemas de forma integrada para enfrentar simultaneamente desafios e demandas sociais, ambientais e econômicas.
Práticas como a agrofloresta, que combina árvores com cultivos agrícolas para melhorar a produtividade e a saúde do solo, ou a restauração ecológica, que contribui para conservar a água, capturar carbono, regular o clima e proteger a biodiversidade, são exemplos concretos.
No entanto, para que essas soluções possam ser implementadas na escala necessária, é preciso coordenação intersetorial que crie condições favoráveis e mobilize investimentos além do financiamento tradicional.
Nesta entrevista, Vincent Gitz, diretor regional para a América Latina e diretor global de plataformas e parcerias do Centro de Pesquisa Florestal Internacional e o Centro Internacional de Pesquisa Agroflorestal (CIFOR-ICRAF), compartilha reflexões sobre o papel estratégico das SbN, os desafios e oportunidades relacionados ao seu financiamento e a importância de garantir que essas soluções beneficiem, acima de tudo, quem habita e cuida dos territórios e ecossistemas onde a natureza e as pessoas convivem.
- Quais são os benefícios mais significativos das SbN em comparação com soluções tradicionais baseadas em infraestrutura cinza ou industrial?
As mudanças climáticas e a perda da biodiversidade são dois dos desafios mais urgentes enfrentados pela humanidade atualmente — e estão interligados. Nesse sentido, as SbN voltadas para adaptação e mitigação climática podem contribuir bastante para a biodiversidade — e vice-versa. No entanto, devemos ser cautelosos com a expectativa de que soluções centradas no carbono também maximizem os benefícios para a biodiversidade. Muitas vezes, existem ganhos e perdas (trade-offs) em seu desenho, mas, se bem geridas, essas soluções podem gerar benefícios tanto para o carbono quanto para a biodiversidade.
Esses benefícios geralmente não estão presentes em infraestruturas tradicionais. Por exemplo, no manejo da água, represas para proteger cidades de enchentes ou da elevação do nível do mar podem gerar impactos negativos sobre a biodiversidade, ao contrário de áreas restauradas com manguezais ou florestas ao redor dos centros urbanos.
Além disso, as SbN oferecem um importante co-benefício social: os ecossistemas fornecem diversos serviços essenciais ao bem-estar humano — especialmente para quem depende diretamente de ambientes saudáveis, florestas e da agricultura. O IPBES define isso como “contribuições da natureza às pessoas”. Tais benefícios geralmente não são proporcionados por soluções de engenharia.
Por isso, as SbN podem ser mais eficientes do que soluções puramente técnicas para resolver problemas críticos. Por exemplo: restaurar zonas úmidas para proteção contra enchentes é mais barato do que construir e manter represas. Manter florestas saudáveis para a regulação hídrica é mais barato do que operar estações de tratamento de água. Preservar áreas verdes dentro e ao redor das cidades custa menos do que instalar e alimentar sistemas de ar-condicionado em larga escala.
- Qual é a importância das SbN para mitigar os impactos de eventos climáticos extremos, como secas e inundações?
As SbN podem contribuir para o que se chama de “redução do risco de desastres” (RRD). Para o Escritório das Nações Unidas para Redução de Riscos de Desastres, as SbN cujo objetivo principal é a RRD compõem uma categoria específica, junto a outras três: adaptação, mitigação e gestão ambiental, incluindo a conservação da biodiversidade. SbN como o manejo integrado do fogo ou florestas protetoras têm como foco direto a redução de riscos associados a perigos naturais específicos. Já a adaptação baseada em ecossistemas (AbE) nem sempre visa diretamente a mitigação desses riscos, mas frequentemente contribui com sinergias e benefícios colaterais.
Há diversas SbN concretas que apoiam funções reguladoras essenciais dos ecossistemas, que, quando funcionam bem, servem como barreiras contra eventos extremos. Por exemplo: encostas vegetadas ou arborizadas ajudam a amortecer quedas de rochas e deslizamentos de terra; vegetação costeira e manguezais atuam como barreiras contra tempestades, ondas e marés ciclônicas; zonas úmidas e florestas ribeirinhas reduzem os impactos de inundações; cinturões verdes previnem a desertificação e a erosão; áreas arborizadas nas cidades ajudam a mitigar ondas de calor e eventos de temperaturas extremas.
- Qual é a importância dos investimentos privados nas SbN para um futuro sustentável e justo?
Tem-se dado muita atenção aos problemas climáticos e da biodiversidade com foco em fundos públicos — nacionais, internacionais ou multilaterais — como o Fundo Verde para o Clima (GCF) e o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF). Esses instrumentos públicos são fundamentais para financiar iniciativas piloto e inovadoras, estabelecer bases de conhecimento e catalisar ações transformadoras.
Contudo, em escala global, os desafios climáticos não serão resolvidos apenas com recursos públicos. A maior parte dos investimentos em SbN deverá vir do setor privado, ou seja, da economia em geral.
O setor privado pode se beneficiar de diversas maneiras ao investir em SbN. Um exemplo na região é o programa da Costa Rica para combater a erosão na bacia do rio Reventazón, que provoca assoreamento excessivo nas usinas hidrelétricas ao longo do curso do rio. A bacia está sendo restaurada com ações baseadas na natureza, como reflorestamento e agrofloresta, em programas apoiados pela própria hidrelétrica da região.
- Como convencer tomadores de decisão e o setor privado a investir em SbN para a sustentabilidade e o desenvolvimento?
Primeiro, o setor público tem papel crucial na criação de um ambiente habilitador e na formulação de políticas que direcionem os investimentos e a gestão para as SbN. Conjuntos apropriados de incentivos também podem apoiar seu financiamento, por exemplo, por meio de tributos sobre práticas ambientalmente prejudiciais ou esquemas de compensação por infraestruturas com impactos negativos.
Segundo, é importante reconhecer que o setor privado não investirá voluntariamente em SbN apenas por serem promissoras, é preciso haver retorno ou interesse claro. Esse interesse pode ser promovido por meio de regulamentações e incentivos que tornem mais vantajoso investir em SbN do que ignorá-las.
Outra via é criar mecanismos de recompensa para ecossistemas saudáveis nos mercados e entre investidores. Contudo, tais mecanismos — como créditos de carbono ou de biodiversidade — devem ser cuidadosamente desenhados para garantir que os atores locais mantenham a titularidade e o poder de decisão sobre as SbN. Não se trata apenas de atrair investimentos privados, mas de estabelecer regras claras que beneficiem prioritariamente as comunidades locais, os Povos Indígenas e os guardiões das terras.
A implementação de SbN por gestores de ecossistemas, agricultores ou produtores agroflorestais exige financiamento externo e um ambiente institucional que favoreça os atores locais.
Mercados voluntários de carbono, créditos de biodiversidade e mecanismos de financiamento inovadores — como pagamentos por serviços ecossistêmicos (PSE) ou títulos verdes — podem fornecer os recursos necessários para projetos de SbN. Mas, para que sejam justos, eficazes e eficientes, precisam ser bem desenhados e implementados.
No CIFOR-ICRAF, desenvolvemos uma lista de princípios para a participação em mercados de carbono que orientam projetos com impactos positivos para as pessoas e as paisagens, evitando erros comuns. Esses princípios são: integridade, credibilidade, centralidade nas comunidades locais, equidade, transparência e boa governança. Embora voltados para mercados de carbono ou biodiversidade, esses princípios também podem ser aplicados a todas as SbN.
5. Quais políticas públicas são essenciais para promover e financiar SbN, e como integrá-las melhor aos planos nacionais de desenvolvimento?
As políticas climáticas — como as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) no âmbito do Acordo de Paris, os Planos Nacionais de Adaptação (NAPs) e as Estratégias e Planos de Ação Nacionais para a Biodiversidade (NBSAPs) — são fundamentais para apoiar as SbN e promover a colaboração entre setores.
Dado seu caráter transversal, os processos de planejamento da adaptação nacional representam uma oportunidade-chave para que atores de setores como energia, transporte, cidades, gestão de resíduos e turismo compreendam os benefícios das SbN implementadas na agricultura, silvicultura ou áreas protegidas.
Os processos de NAPs e NBSAPs possibilitam debates intersetoriais, identificam oportunidades de acordos que beneficiem a natureza e as atividades humanas e ajudam a viabilizar mecanismos de financiamento para essas soluções.
Além disso, as SbN são particularmente interessantes como ferramentas para alcançar os 17 ODS. O desafio — e também a oportunidade — é incorporar a natureza como meio para atingir cada um dos ODS e os ODS como um todo.
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